segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Dilma é nova musa do Greenpeace; entenda


Libertem os 30 do Ártico é o slogan que ecoa por toda parte. Mais de um milhão de pessoas repetiram a mensagem em cartas para os embaixadores russos ao redor do mundo. A mesma frase foi gritada em protestos pelas grandes cidades e estava escrita nas faixas abertas por torcedores em jogos de futebol no fim de semana na Europa. A pacífica campanha pela libertação dos 30 militantes do Greenpeace na Rússia também une celebridades como o músico Damon Albarn, o ator Jude Law e a eterna primeira-dama do punk, a estilista Vivienne Westwood. Mas a nova musa da mais importante organização ecológica do mundo é a brasileira Dilma Rousseff, saudada como a mais influente e melhor pessoa para atuar como embaixadora junto ao presidente Putin para livrar os 30 do Ártico das injustas acusações de pirataria que podem deixá-los mofando 15 anos na cadeia.
“É fantástico que o Brasil possa atuar como mediador, é quem pode acabar com o impasse”, comemora John Sauven, diretor-executivo do Greenpeace e um de seus principais estrategistas.
Nenhuma dúvida, Dilma escolheu o bom combate ao mandar o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, contatar as altas autoridades russas para achar uma solução do caso da brasileira Ana Paula, uma dos 30 do Ártico. A análise de Sauven é que Brasil, China e Rússia, como parte dos Brics, formam um clube menos alinhado com as posições dominantes no mundo ocidental. Além disso, Brasília está distante das tensões entre Moscou e as grandes potências. “Dilma é séria, não se atemorizou em cobrar explicações de um aliado, como os EUA, sobre espionagem. É a pessoa mais provável de ser ouvida por Putin”, diz John.
Talvez ninguém seja melhor na arte da agitação e propaganda do que o Greenpeace, vencedor de inúmeras batalhas a favor do planeta, da luta pelo desmatamento zero na Amazônia ao acordo internacional das tradings de não comprarem soja plantada em área onde foi derrubada floresta. Mesmo sem saber, nossa decisão de pagar um pouco mais por frutas e legumes sem agrotóxicos ou separar o lixo de cada dia para a reciclagem é inspirada em campanhas deles por um mundo menos poluído.
Mas desta vez os experimentados ecoguerreiros se meteram numa encrenca. Para consertar, sabem que precisam trocar os protestos espetaculares por uma atuação de bastidores e uma discreta diplomacia. Há três décadas, o Greenpeace faz campanhas no Ártico: no início contra a caça das baleias ou testes nucleares soviéticos e, desde o ano passado, contra a perfuração e prospecção de petróleo no mar gelado. Os soviéticos primeiro e os russos depois sempre reagiram com violência, disparando contra as expedições ecológicas, entrando a bordo e aprendendo o barco. Mesmo assim, surpreenderam pela violência exagerada com que atuaram desta vez e com a absurda decisão de inculpar os militantes por pirataria, sem lei alguma para ampará-los.
O que deu errado? O Greenpeace escolheu o pior momento para a expedição ao Ártico. Exatamente quando os ecologistas rumavam para lá, as autoridades russas se vangloriavam da abertura da primeira base militar na fronteira norte — a única desde o fim da URSS — e despachavam na mesma direção o seu primeiro navio nuclear. O protesto pacífico dos militantes contra a perfuração no gelo empreendida pela gigante estatal Gazprom, decididamente, não combinava com a intenção de Putin de sinalizar ao mundo para não se meter com a Rússia no Ártico Norte.
Na cena internacional, o governo russo também vivia um momento especial. Depois de anos considerando-se maltratado e humilhado pelos ocidentais, Putin estava se exercitando para assumir um papel de maior destaque no palco do mundo, saboreando a vitória com o acordo fechado entre as grandes potências e a Síria para destruir o arsenal químico de Bashar-al Assad. “Acho que fomos apanhados neste contexto”, reconhece John.
A prisão dos militantes do Greenpeace evidencia a distância entre o governo russo e o Ocidente na maneira de enxergar protestos, desobediência civil e liberdade de expressão, temas no centro das discussões políticas em Moscou. Intolerância, corrupção e justiça submetida aos interesses do governo são marcas da Rússia de Putin, mas uma nova geração não está disposta a aceitar pacificamente a lei do Kremlin. As meninas do Pussy Riot simbolizam este conflito, assim como a massiva votação do opositor Alexey Navalny na eleição para prefeito — perdeu mas faturou um terço dos votos, algo inesperado. Espontaneamente, uma campanha pela libertação dos 30 do Ártico também começou em Moscou, em mais uma indicação de que a paisagem política na Rússia deixou de movimentar-se só em torno de Putin. Se o Itamaraty, ao ajudar Ana Paula, conseguir romper o impasse em torno dos 30 do Ártico, estará do lado bom da maçã, o dos defensores da democracia.

O Globo

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